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ARTIGO: Assédio moral na Administração Pública

Artigo | 18 de maio de 2021

Autor: Artigo

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A odiosa prática do assédio moral é definida pelos estudiosos do tema como a conjugação de atos voluntários pessoais, revestidos de hostilidade e perseguição, que ocorrem de modo reiterado no contexto das relações de trabalho. Tais ações alijam a vítima de uma convivência harmoniosa e saudável no meio ambiente laboral, minando a sua resistência, o que lhe causa danos de ordem psíquica em razão da ofensa de alguns de seus direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como a honra e a imagem (artigo 5º, X, CF/88).

De fato, conforme Sobbol (2011), o assédio moral se caracteriza como "um processo grave e extremo de violência psicológica, que acontece de maneira continuada e repetitiva no contexto do trabalho e que produz efeito de humilhação, ofensa e constrangimento".

Sabemos que a subordinação jurídica é o elemento mais marcante de uma relação de emprego, e dela decorre o exercício de reais poderes pelo empregador em face do empregado, o que levaria à ilação de que atos de assédio moral ocorreriam apenas de "cima para baixo", ou seja, tendo sempre como vítima o trabalhador. Porém, a dinâmica das relações de trabalho demonstra que o assédio moral pode ocorrer de variadas formas.

Assim, fala-se em assédio moral vertical descendente, que seria o mais usual, em que o agressor ocupa uma posição de hierarquia em relação à vítima, seja o próprio empregador ou algum seu gerente ou preposto. Há, também, o assédio moral vertical ascendente, em que os polos são invertidos, sendo que o superior hierárquico passa a ocupar a posição de vítima. Ainda existe a possibilidade de o assédio ocorrer de modo horizontal, em que inexiste relação de hierarquia entre a vítima e o agente, o que se verifica em atos praticados entre os próprios trabalhadores. Por fim, tem-se o denominado assédio moral organizacional que advém do implemento de algumas políticas gerenciais no ambiente de trabalho que afetam psicologicamente uma coletividade de trabalhadores, a exemplo do gerenciamento por estresse (straining).

É certo que em um sistema capitalista de produção, quando se fala sobre a organização e divisão do trabalho, pensa-se de imediato na relação clássica do emprego, com toda a sua tradicional estrutura subordinante, o que pode resultar no incauto entendimento de que o assédio moral teria o seu campo de ocorrência restrito apenas a esses modelos de relações contratuais. Todavia, convém afirmar que no âmbito da Administração Pública, onde há, na dicção da melhor doutrina, relações de trabalho institucionais, também se verificam condutas de índole assediadora.

Rememore-se que no sistema brasileiro a Administração Pública se desdobra em direta e indireta, sendo a primeira formada por órgãos públicos que exercem genuínas funções de Estado, e a segunda como entidades administrativas dotadas de autonomia (autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas, etc), porém, mantendo-se certa vinculação de supervisão com os órgãos da Administração Direta. Quanto ao regime de pessoal, a Constituição Federal traz a regra que condiciona a investidura em cargo ou emprego público à prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego (artigo 37, II, CF/88).

No que toca às empresas públicas e sociedades de economia mista, elas detêm um regime híbrido, eis que, embora o recrutamento de seus empregados sujeite-se à regra do concurso assinalada acima, estão submetidas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (artigo 173, §1º, II, CF/88).

Dadas estas premissas, urge afirmar que também no âmbito da Administração Pública, com o escopo de se obter racionalidade na prestação dos serviços públicos e cumprir com o princípio da eficiência administrativa, a organização do quadro de pessoal é feita de acordo com as tarefas exercidas pelos servidores e empregados públicos. Deste modo, cria-se, por óbvio, uma estrutura hierárquica na qual coexistem pessoas que executam determinadas atribuições e que devem se reportar a outros indivíduos ocupantes de cargos ou funções diretivas e de chefia, aproximando-se, portanto, da figura subordinativa da relação tradicional de emprego.

Logo, forçoso reconhecer a possibilidade de na Administração Pública, em qualquer um dos Poderes do Estado (Executivo, Legislativo ou Judiciário), também ocorrer ações que se definem como assédio moral, na modalidade vertical. Quanto ao assédio horizontal, acima conceituado, desnecessário maior esforço para se concluir por sua igual possibilidade.

Com efeito, a prática nos demonstra a existência de casos registrados no serviço público e que se caracterizam como assédio moral. Inúmeros exemplos podem ser dados, mas nos deteremos em alguns para não cansar o leitor e atingir o objetivo deste artigo.

Pode-se citar, assim, a determinação de tarefas de alta complexidade para o servidor/empregado público que não estão compreendidas na dinâmica dos cargos/empregos para os quais prestaram concurso. Além do ilícito desvio ou acúmulo funcional, o prejuízo não se limita apenas ao aspecto financeiro, pois também afeta psicologicamente o trabalhador que se desdobra em atividades para as quais muitas vezes não possui sequer a formação técnica e acadêmica legalmente exigida.

Ao reverso, também ocorre, do mesmo modo como nas relações privadas, o ócio forçado, isto é, a chefia imediata do servidor/empregado público não lhe confere tarefas a executar, como uma forma de mantê-lo inerte e sem participar das atividades do setor de trabalho. Por certo que o real motivo do agressor, via de regra, não se revela de plano, podendo ter várias origens, inclusive de ordem subjetiva (o simples "não ir com a cara do colega").

De forma desatenta, poderia se cogitar que a situação descrita acima favorece a vítima, ainda mais sendo servidor público, pois continuaria a receber seus vencimentos sem que nada fizesse. Entretanto, muito mais do que o desserviço flagrantemente prejudicial à sociedade que não contaria com os serviços daquele servidor, o que realçaria mais ainda as críticas que se fazem contra toda a categoria, não se pode negar que o trabalho possui um valor social imanente que o eleva, inclusive, a princípio fundamental de nossa República (artigo 1º, IV, CF/88), o que nos direciona à conclusão de que a não atribuição de tarefas ao servidor igualmente se configura como um ato omissivo de agressão.

A perseguição de um superior hierárquico pode ocorrer também na atribuição de notas em avaliações de desempenho. Com efeito, a reiteração de avaliações negativas, que destoam da realidade e não correspondem ao real desempenho do servidor, podem lhe causar sensíveis prejuízos, como a não aprovação em estágio probatório, o impedimento de sua progressão na carreira, bem como o alcance de níveis que incrementam a sua remuneração e melhoram, por óbvio, a sua condição social. Convém lembrar que, embora ainda não regulamentada, a avaliação periódica de desempenho é um dos casos constitucionalmente previstos que ensejam a perda de cargo público (artigo 41, III, CF/88).

Em tais hipóteses, os danos suportados pelo trabalhador não se limitam apenas às questões de ordem funcional acima descritas. Inegável que os seus atributos psíquicos são afetados, pois além de, por vezes, haver a necessidade de confronto com a chefia para questionar a suposta irregularidade das notas atribuídas, também, em alguns casos, o servidor tem que lidar com comentários negativos no ambiente de trabalho advindos de outros colegas, além de lhe ser despertado um sentimento de desprestígio e de não reconhecimento como um trabalhador que executa com responsabilidade as suas tarefas.

Inclusive, lamentavelmente já presenciamos na prática atos de chefias imediatas que atribuíram baixas notas a servidores que estavam em estágio probatório e que aderiram a movimento de paralisação grevista eclodido pela categoria. No caso em comento, as notas anteriores dos servidores em greve tinham sido altas, e não existia qualquer fundamento plausível que justificasse a discrepância com a nota posterior, que não fosse a simples adesão do trabalhador ao movimento paredista.

A situação em tela representa uma evidente conduta antissindical e de violação dos direitos fundamentais do servidor público à livre associação sindical e ao exercício da greve (artigo 37, VI, VII, CF/88), os quais, igualmente, possuem base normativa em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe sobre o direito de sindicalização e relações de trabalho na Administração Pública. Além de as referidas condutas serem inequivocamente ilícitas, com a sua associação a outros atos de perseguição no ambiente de trabalho, também configuraria assédio moral pelo evidente distúrbio psicológico causado ao servidor, uma vez que lhe é incutido o medo de ser reprovado no estágio probatório e, por consequência, perder o cargo.

Os exemplos acima citados são de assédio moral vertical descendente, aquele no qual o agressor ocupa um cargo superior ao da vítima. Mas pode acontecer, outrossim, na modalidade ascendente, a exemplo de um servidor que é nomeado para alguma função de confiança ou cargo em comissão, os quais se destinam às atribuições de direção, chefia e assessoramento (artigo 37, V, CF/88). Em tal hipótese, o colega, que antes se encontrava no mesmo patamar que os demais, passa a ser excluído de algumas atividades que outrora eram feitas em conjunto, como uma simples confraternização. Induvidoso que tais condutas são negativas para a saúde emocional da vítima, dados os sentimentos de exclusão e de não pertencimento.

Especificamente quanto aos servidores públicos nomeados para cargo de provimento efetivo, mesmo que detentores da garantia constitucional da estabilidade que adquirem após três anos de efetivo exercício (artigo 41, CF/88), não estão totalmente protegidos de serem vítimas de assédio moral. No que diz respeito aos empregados públicos, que sequer possuem a referida garantia da estabilidade, não se pode olvidar a dificuldade maior ainda de enfrentamento de tais ações de assédio no local de trabalho. O que pode ser agravado, inclusive, por eventual entendimento do STF no tocante à desnecessidade de motivação para as suas dispensas contratuais, conforme se der o resultado do julgamento do Tema 1.022 da Repercussão Geral.

Desta forma, imperioso ressaltar a premente necessidade de adoção de políticas repressivas e sobretudo preventivas quanto à ocorrência de atos de assédio moral no ambiente de trabalho, notadamente no que diz respeito à Administração Pública que deve obediência ao princípio da moralidade (artigo 37, caput, CF/88), o qual reclama que à rotina administrativa do Estado sejam incorporados valores éticos e probos. O alcance de tal princípio não se restringe à simples coibição de condutas lesivas ao patrimônio público, mas, igualmente, proclama que haja respeito às regras comportamentais desejáveis a uma boa convivência entre os servidores, o que repercutirá na eficiência de suas atuações e, por conseguinte, beneficiará toda a sociedade.

Daí poderia até se cogitar na implementação de um gerenciamento mais efetivo para a eliminação de tais atos no cotidiano da Administração Pública, como através da criação de ouvidorias e de comissões para estudo e conscientização dos servidores e das correlatas chefias, a exemplo da campanha nacional "Abril Verde" sobre a conscientização e à prevenção de acidentes de trabalho, convindo lembrar que as doenças profissionais e do trabalho são comorbidades que se inserem no conceito de acidente laboral (artigo 20, da Lei 8.213/91). Outro exemplo seria pela incorporação de programas de compliance trabalhista, tão em voga no cenário atual.

Não há dúvidas de que os danos causados por atos de assédio moral prejudicam enormemente a saúde mental das vítimas e propicia o surgimento de doenças neuronais, que podem levar a casos mais graves, como de depressão, e até mesmo extremos, como o suicídio. Assim, não se pode perder de vista que a ordem jurídico-constitucional prevê a saúde como um direito humano fundamental pertencente a todos e sendo dever do Estado garanti-lo (artigo 196, CF/88), além da previsão do princípio do risco mínimo regressivo que dispõe ser direito de todos os trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (artigo 7º, XXII, CF/88), direito este que alcança os servidores públicos, por expressa determinação da Carta Magna (artigo 39, §3º, CF/88).

Ademais, no âmbito internacional, há a Convenção nº 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, que trata da saúde e segurança dos trabalhadores, e afirma em seu artigo 3, 'b' e 'e', que "o termo 'trabalhadores' abrange todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionários públicos", e que "o termo 'saúde', com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e higiene no trabalho".

Visível, portanto, que há várias normas jurídicas em nosso sistema que possuem o objetivo de resguardar a incolumidade física e psíquica do ser humano trabalhador, independentemente de que o seu vínculo seja de ordem contratual ou institucional, como no caso dos servidores públicos. A partir do momento em que o trabalhador se vê integrado em uma relação jurídica de trabalho ele não se despe dos seus direitos fundamentais decorrentes de sua condição humana, os quais devem ser preservados pelo tomador de sua mão-de-obra, mormente quando em um dos polos da relação se encontre o Estado. O que vemos, no entanto, é a carência de políticas públicas que sejam eficazes para a concretização prática das normas abstratamente previstas na legislação.

Outra circunstância que não se pode olvidar é que muitas vezes a vítima de assédio moral promove o ajuizamento de ações no Poder Judiciário em que pleiteiam a reparação das lesões sofridas ou indenizações compensatórias por danos morais, e no polo passivo de tais demandas estará a figura do Estado, no caso de a vítima ser servidor público. Portanto, com eventual condenação judicial toda a sociedade terá a sua parcela de responsabilidade, uma vez que a verba utilizada para o pagamento das condenações é oriunda das arrecadações feitas dos cidadãos contribuintes, não obstante a Constituição Federal prever a possibilidade de ação regressiva do Estado contra o servidor causador do dano, em caso de dolo ou culpa (artigo 37, §6º, CF/88).

Diante disso nos é lícito concluir ser extremamente salutar a ampliação e democratização do debate acerca dos malefícios causados por atos de assédio moral em todas as relações de trabalho, inclusive na esfera da Administração Pública. Portanto, elevar o dia 2 de maio ao título de Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral cumpre com tal propósito, pois é de enorme relevância que toda a sociedade civil, órgãos públicos, entidades de classe, Poderes constituídos, instituições sérias e de alcance social, como a Ordem dos Advogados do Brasil, levem ao público informações a respeito do tema para que se alcance o pretendido efeito pedagógico da compreensão de que atos configuradores de assédio moral devem ser combatidos por todos.

E que a propagação da conscientização a respeito do assédio moral não se restrinja apenas à data de 2 de maio, mas que se torne naturalmente presente em todos os meios sociais de diálogos e debates. Estreme de dúvidas que ações como estas contribuem sobremaneira para o atingimento dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro de construir uma sociedade justa e solidária e de promover o bem de todos, sem qualquer forma de discriminação (artigo 3º, I, IV, CF/88).

Artigo assinado por Walace Heleno Miranda de Alvarenga e publicado pelo site Conjur no dia 28 de abril de 2021.